Água Doce: fonte de vida ou de lucros?
No princípio era o agronegócio. Depois, o negócio se diversificou e fez-se o hidronegócio: “negócio da água”. Quer dizer, a água é apenas um meio, pois o negócio mesmo é o lucro. Lucra-se com o uso da água na indústria, no saneamento público e ambiental, com engarrafamento da versão mineral e, sobretudo, com o uso intensivo na irrigação e na pecuária.
O Brasil é a maior potência mundial em volume de água doce. 12% de todo o estoque global está em nossos rios e reservatórios subterrâneos. Contudo, cerca de 70% dessa preciosidade vai para a agricultura – em especial a irrigação.
Irrigação do cultivo de hortaliças para a alimentação humana, certo?
Negativo: bem mais da metade de tudo que é cultivado no Brasil, destina-se à produção industrial de ração animal, aqui e no exterior. Ou seja, vira alimento de bois, porcos, aves e até peixes, que depois vão parar no prato das pessoas. Para piorar a situação, ninguém paga pelo consumo dessa água toda, nem pela poluição que os efluentes da produção de carne – sangue, gorduras, vísceras, vômitos, fezes, mais os hormônios, antibióticos, inseticidas, fertilizantes e defensivos agrícolas – causam aos reservatórios e aqüíferos.
Você e a água Para evitar o desperdício, as dicas são as de sempre: fechar a torneira ao escovar os dentes ou fazer a barba, não lavar a calçada, consertar vazamentos em causa e ser breve no banho. Mas, como consumidores conscientes, podemos ir muito além. O vegetarianismo é a forma mais eficiente para economizar água. Veja porque: Criação de animais para consumo: Dentre todas as indústrias, a criação maciça de animais para consumo humano é a que faz o uso mais eficiente dos recursos hídricos. Vamos dar, como exemplo, a carnicicultura. Essa atividade consome mais água doce do que a irrigação da agricultura: são 50 a 60 mil litros d´água por quilo de camarão produzido. A construção dos viveiros, principalmente no litoral nordestino, degrada as nascentes e compromete os manguezais. Provoca alterações da fauna e da flora, piora a qualidade da água potável, polui as águas costeiras com toneladas de excrementos e ainda expulsa os pescadores tradicionais dos mangues, sem dar-lhes outra alternativa. Como se não bastasse, essa atividade econômica é quase toda voltada para a exportação e beneficia apenas uma elite empresarial, que obtém seus lucros em detrimento das comunidades tradicionais e da saúde do bioma litorâneo. Nos Estados Unidos, a criação de gado é responsável pelo uso da metade de toda a água consumida no país para todos os fins. O Relatório Unesco para o Fórum Mundial da Água, de 2004, revelou quanta água limpa é usada, em média, apenas para matar a sede de cada animal: Galinha = 0,1 litros / dia Peru = 0,2 litros / dia Bode = 8 litros / dia Porco = 15 litros / dia Boi = 35 litros / dia Vaca leiteira = 40 litros / dia Se levarmos em conta a água necessária para asseio, o consumo de uma vaca leiteira, por exemplo, sobe de 40lts para 90lts por dia. Vale lembrar que o favelado dos países pobres tem acesso, em média, a apenas 20 litros de água por dia. Irrigação Considerando que em torno de 70% da água doce mundial se destina à agricultura e que mais da metade da produção agrícola mundial vai para a alimentação de animais – em especial dos rebanhos e plantéis norte-americanos e europeus – conclui-se que o precioso líquido vira ração. No Brasil, a soja tomou conta dos cerrados do Centro-Oeste e agora, migra para o norte, em busca de água: Tocantis, Mato Grosso, Rondônia, Pará... Hoje, exportar grãos ou carne significa, em última instância, exportar água – de graça. Assim como produzir grãos e carne em território alheio é poupar água no próprio país. No Brasil, 45% da água doce é gasta na pecuária. E 45 milhões de pessoas têm acesso à água potável. No Brasil, a pecuária utiliza e contamina, em sua cadeia produtiva, mais água do que as cidades. Enquanto são necessários menos de 500lts de água para se obter 1kg de soja, para produzir 1kg de carne bovina gastam-se até 15 mil litros de água. Nesse cálculo entram a água que os animais bebem durante a vida toda, a utilizada na irrigação dos pastos e a que é gasta no processamento das carcaças no abatedouro. Dejetos A quantidade descomunal de dejetos produzidos pelos animais criados para consumo é quase sempre lançada, sem tratamento, na terra e na água. Isso provoca eutrofização de rios e lagos, processo no qual o excesso de matéria orgânica favorece a proliferação de algas e microorganismos, que passam a competir com peixes e outros seres aquáticos pelo oxigênio da água. Sem contar a hipercontaminação por coliformes fecais, vetores de doenças (como salmonela e hepatite), hormônios e antibióticos. Todo esse material tóxico infiltra-se nas águas da superfície e do subsolo, poluindo lençóis freáticos, contaminando rios e mares e comprometendo a vida aquática e humana. Alguns dados ilustram o problema: • Uma fazenda com 5mil bovinos produz a mesma quantidade de excrementos de uma cidade com 50 mil habitantes. • Uma vaca produz, por dia, cerca de 40kg de esterco. E cada porco, entre 5 e 9kg de urina e fezes diariamente. • Em alguns municípios de Santa Catarina, a suinocultura é responsável por mais de 65% da emissão de poluentes. E o poder poluente dos dejetos suínos é cerca de 50 vezes maior do que o do esgoto humano. • Em algumas regiões do sul do Brasil, a contaminação das fontes naturais de abastecimento de água por coliformes fecais chega a 85%. Processo de abate A criação de animais para alimentação consome água em abundância também durante os procedimentos de abate: sangria, escaldagem, depenagem, depilação, barbeação, evisceração, lavagem, etc. Quem já fez um pequeno corte no dedo – e sabe o trabalho que dá limpar o sangue – pode imaginar quanta água é gasta para lavar o sangue de uma carcaça de boi. Segundo a Cetesb, os abatedouros paulistas, utilizam , em média, 12 litros de água para processar a carcaça de um frango e 2.500lts para a de um bovino. Enquanto isso, a Sabesp afirma que o consumo de 120lts por habitante é mais do que suficiente para todas as necessidades diárias. Litros de água usados para produzir 1kg de alimentos (Fonte: EarthSave Foundation) Tomate ___0039 Trigo_____0042 Batata____0048 Feijão____0195 Leite_____0222 Ovos_____0932 Frango___1.397 Porco____2.794 Boi______8.931 Apenas nos Estados Unidos, a produção de excrementos de animais é de 1,4 bilhão de toneladas por ano, ou 104mil kg por segundo. Água rara Mais de 2 bilhões de pessoas enfrentam escassez de água e, até 2025, esse número deve saltar para 4 bilhões, segundo relatório da ONU de 2002. Parece incoerência falar de escassez num planeta que tem mais de 70% da sua superfície coberta de água. Mas somente uma parcela mínima desse total é potável: 97,5% da água na Terra é salgada – está nos mares e oceanos 2,493% é água doce presa em geleiras ou regiões subterrâneas inacessíveis 0,007% é água doce, disponível na superfície e presente na atmosfera No mundo todo, cerca de 70% da água doce captada em rios, lagos e depósitos subterrâneos destinam-se à atividade agropecuária. Os 30% restantes são utilizados nas demais atividades humanas, como consumo doméstico, atividade industrial, geração de energia, etc. Fonte: SVB |
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