segunda-feira, 25 de julho de 2011

Urso-Fantasma: Ursos Negros Nascem com o Pêlo Branco no Canadá

Em uma floresta úmida coberta de musgo na Colúmbia Britânica, no Canadá, cedros vermelhos altíssimos vivem mil anos e ursos negros nascem com o pelo branco.
Em uma manhã garoenta de outono no litoral da Colúmbia Britânica, uma silhueta escura caminha pesado pela praia. Um urso negro chegou para comer. É a temporada de reprodução. Peixes carregados de ovas enchem os riachos da ilha Gribbell, um pedaço pequeno da Great Bear Rainforest [Grande Floresta Úmida dos Ursos] do Canadá, uma das maiores florestas úmidas temperadas costeiras do mundo. O urso faz uma pausa em um pedaço coberto de algas para cheirar o ar. A chuva e a névoa não conseguem disfarçar o cheiro de podridão. Carcaças de salmão se embrenhavam nas tiras de alga trazidas pela maré. O urso se move como uma silhueta pela paisagem, sua pelagem negra se confunde com as rochas escuras e o bosque crepuscular.
Marven Robinson avista o urso, mas vira para o outro lado, desinteressado. “Talvez tenhamos mais sorte rio acima”, ele diz. Robinson, 43 anos, atarracado e bem equipado para a chuva, é guia no parque e membro da Primeira Nação Nativa Gitga’at, cujo território tradicional inclui a ilha Gribbell. Este urso não é o que ele está procurando. Ele está atrás de ima criatura mais rara e mais reverenciada: aquela que os Gitga’at chamam de mooksgm’ol, o urso-espírito, uma contradição ambulante – um urso negro que é branco.
Nem albino nem polar, o urso-espírito (também conhecido como urso de Kermode) é uma variação branca do urso negro norte-americano, e é encontrado quase que exclusivamente aqui na Great Bear Rainforest. Com quase 65 mil quilômetros quadrados – uma vez e meia o tamanho da Suíça – a região s estende por 400 quilômetros pelo litoral oeste do Canadá e abrange uma ampla rede complexa de fiordes cobertos de névoa, ilhas de densa cobertura florestal e montanhas com picos de geleiras. Ursos pardos, negros, lobos, glutões, jubartes e orcas povoam o litoral que é o lar das Primeiras Nações, como os Gitga’at, há centenas de gerações. É um lugar assombroso, selvagem, misterioso: aqui, há lobos que comem peixe. Cervos que nadam. Cedros vermelhos do oeste que estão em pé há mil anos ou mais. E um urso negro que é branco.
Na medida em que suas botas avançam pela trilha ladeada de samambaias, Robinson presta atenção em busca de movimento. Nenhum urso. Ele avista um tufo de pelo branco preso a um galho. “Eles estão por aqui, com certeza”, ele disse. Ele aponta para o tronco roído “Eles gostam de se levantar e morder a árvores só para dizer aos outros ursos que estão aqui, usando este rio.”
Uma hora se passa. Robinson espera com paciência em cima de uma pedra coberta de musgo. Então vê um movimento na folhagem. “Ali está ele”, diz.
Um urso branco surge da cobertura das árvores para uma pedra ao lado do riacho. Contra o a paleta escura de fundo da floresta úmida, a pelagem do urso parece radiante, de um jeito surrado. Não é um branco puro exatamente. É mais como um tapete cor de baunilha que precisa de uma lavada. O urso balança a cabeça de um lado para o outro, a procura de um salmão. Antes que possa enfiar a pata na água para fazer sua pescaria, um urso negro de repente sai da floresta e faz o urso branco sair correndo de cima de seu poleiro – apesar de o verbo “correr” talvez seja um pouco forte. Tudo que os ursos fazem parece se desenrolar em câmera lenta, como se eles quisessem economizar cada caloria possível para o inverno que se aproxima. O urso branco vai mancando para o meio dos arbustos e desaparece.
Robinson observa. Ele passou 15 anos entre os ursos-espírito. Ainda assim, está transfixado. “Este urso branco específico é muito submisso”, ele diz. “Às vezes isso me pega. Eu sou tenho instinto protetor. Uma vez, eu vi um urso branco velho ser atacado por um urso negro mais novo. Eu estava quase me intrometendo para jogar spray de pimenta no negro. O instinto era forte em mim. Mas daí o branco reagiu e o expulsou.” Robinson sorri, como que para admitir o absurdo de um homem querer se intrometer em uma briga de urso. Mas nos olhos dele há um indício de que ele podia ter feito aquilo.
Robinson não está sozinho. O mesmo instinto de proteção corre forte em toda a Great Bear Rainforest. Esse e um dos fatores que manteve o urso-espírito vivo.
“Nosso povo nunca caçou o urso branco”, diz Helen Clifton, sentada em sua cozinha em Hartley Bay, um pequeno vilarejo de pescadores marcado por espirais de fumaça de lenha e o eco dos grasnados dos corvos. Forte de voz e espírito, Clifton, de 86 anos, é matriarca de clã dos Gitga’at, uma das 14 tribos que formam o povo Tsimshian da costa noroeste da Columbia Britânica. Carne de urso raramente era um alimento principal, ela diz. Mas os caçadores das primeiras nações iam atrás dos ursos negros em grandes números quando os mercadores europeus estabeleceram o mercado de peles da Colúmbia Britânica no final do século 18. Mas, mesmo naquele tempo, matar um urso branco era tabu, uma tradição que prosseguiu em muitas gerações. “Nós nunca nem falávamos do urso-espírito à mesa de jantar”, Clifton diz.
Esse costume de ficar de boca fechada pode ter sido uma forma primitiva de proteção ambiental. Ao não falar do urso, muito menos caçá-lo, os Gitga’at e as tribos vizinhas nunca permitiram que informações sobre a criatura chegassem aos ouvidos dos mercadores de peles. Até hoje, os Gitga’at e o povo Kitasoo/Xai’xais ficam de olho em seus ursos durante a temporada de caça. “Não é boa ideia ir atrás do urso negro no nosso território”, diz Robinson. “Nunca se sabe. Pode ser que os nossos ursos retribuam os tiros.”
Essa atitude faz diferença. Durante décadas, a presença de caçadores ilegais e pessoas em busca de troféus – além de moinhos e um fábrica de enlatados – fez com que os ursos pardos no Great Bear escassos e medrosos. As indústrias agora se foram, assim como a caça ao urso pardo em partes da floresta úmida. Os ursos estão reagindo. “Nos meus primeiros anos, realmente era um acontecimento ver um urso pardo”, Doug Stewart diz. Como patrulheiro de pesqueiros, Stewart monitora o movimento dos peixes no Great Bear há 35 anos. “Agora eles são vistos o tempo todo. Posso cruzar com alguns ursos pardos em uma só manhã.”
Eles estão indo tão bem, aliás, que algumas pessoas se perguntam se a volta dos ursos pardos não está fazendo os outros ursos recuarem, e expulsando alguns dos brancos das melhores estações de pesca dos rios. “Quando você vê um urso pardo, não vai ver um negro – nem um branco”, diz Doug Neasloss, um guia do parque, do povo Kitasoo/Xai’xais. “Os ursos negros dão muito espaço para os pardos.”
Isso leva a uma possibilidade intrigante: talvez o urso pardo tenha influência sobre a concentração do gene do Kermode nas ilhas Princess Royal e Gribbell. “Ursos pardos e negros coexistem em todo lugar, menos nessas pequenas ilhas”, diz Thomas Reimchen, biólogo da Universidade de Victoria. “Não há hábitat suficiente pata os ursos pardos nessas ilhas menores. Eles precisam de grandes estuários gramados, hábitat subalpino, e terreno enorme para circular, coisa que essas ilhas não oferecem.”
Mas as ilhas oferecem uma outra coisa: os olhos dos seres humanos que os vigiam. “Eu digo aos mais jovens”, diz Helen Clifton, “quando virem um urso-espírito, não vão para o rádio e divulguem. Se quiserem contar para alguém, digam que viram um mooksgm’ol. A pessoa vai saber o que é. E, assim, os ursos vão ficar seguros.”
Os cientistas sabem como ursos negros nascem brancos. Não sabem muito bem por quê. O fenômeno, conhecido como kermodismo, é disparado por uma mutação recessiva no gene MC1R, o mesmo gene associado ao cabelo ruivo e à pele clara nos seres humanos. Para nascer branco, um urso precisa herdar a mutação do pai e da mãe. Os pais em si não precisam ser brancos. Só precisam carregar a mutação recessiva. Então, não é incomum para ursos brancos nascerem de pais negros.
A pelagem branca só ocorre em um em cada 40 a 100 ursos negros no litoral da parte continental da Colúmbia Britânica, mas o traço é particularmente pronunciado em certas ilhas da Great Bear Rainforest. Na ilha Princess Royal, um em cada dez ursos negros é branco. Na ilha Gribbell, diretamente ao norte de Princess Royal, a proporção é de um para três. O biólogo Wayne McCrory, da Valhalla Wilderness Society, chama Gribbell de “a ilha-mãe dos ursos brancos”.
Não está claro como a característica surgiu. Uma teoria foi a do “urso glacial”, uma hipótese em que o kermodismo representava uma adaptação remanescente da última idade do gelo, que acabou aqui há 11 mil anos. Naquela época, a maior parte da Colúmbia Britânica ainda estava coberta de gelo, e a pelagem branca pode ter oferecido camuflagem. Mas a teoria do urso glacial suscitou uma questão: por que a característica da pelagem branca não desapareceu junto com o encolhimento das geleiras?
Para saber mais, Doug Neasloss e eu saímos à procura de ursos na ilha Princess Royal. “Ei, urso”, Neasloss diz ao descer de um bote perto da boca de um pequeno rio. Parece que ele está chamando um amigo chamado Urso, apesar de não haver nenhum animal a vista. “Não vá querer assustá-los”, diz o guia de 28 anos, que trabalha no território tradicional dos Kitasoo/Xai’xais. Ua lata de spray de pimenta com potência para ursos pardos fica em um prendedor em sua cintura. Movendo-se por peras cobertas de cracas, Neasloss abre a cortina da floresta. Embaixo da folhagem, tudo é suave e silencioso. Líquen escorre dos galhos. As botas de borracha dele não deixam pegadas no piso esponjoso, que é tão verde que parece que o céu deixou cair uma nevasca de musgo.
Neasloss se coloca em um lugar embaixo de uma árvore e aperta o capuz para se proteger da chuva que não para. Ele viu um urso branco perto daqui recentemente, diz, apesar de não haver garantia de que ele vai voltar a aparecer. Um pouco depois das três da tarde, ele aponta para o outro lado do rio. Um urso branco vem andando pela margem com as patas na água. Esse urso é maior e mais seguro do que o urso da ilha Gribbell. A barriga dele é gorda. Parece estar usando um casaco dois números maior. Ele se debruça por cima de uma poça, enfia as duas patas lá dentro e sai com um salmão gorducho de um metro de comprimento.
Pesquisadores provaram recentemente que a pelagem branca do urso-espírito é uma vantagem na hora de pescar. Apesar de ursos brancos e negros costumarem ter a mesma taxa de sucesso depois de escurecer – quando os ursos fazem boa parte de sua pescaria – os pesquisadores Reimchen e Dan Klinka da Universidade de Victoria observou uma diferença Durante o dia. Ursos brancos pegam peixes em um terço das tentativas. Indivíduos negros têm sucesso apenas um quarto das vezes. “Os salmões se preocupam menos com um objeto branco visto de baixo da superfície”, Reimchen especula. Isso pode responder parte da questão relativa a por que a característica do pelo branco continua forte hoje. Se o salmão é a principal fonte de gordura e proteína do urso que vive no litoral, uma fêmea de sucesso pode se refestelar com salmão para armazenas mais gordura para o inverno, potencialmente aumentando o número de filhotes que pode gerar.
Enquanto a chuva continua a cair na ilha Princess Royal, Neasloss e eu observamos o urso-espírito se alimentar de uma fartura de salmão. Quando a pesca é boa assim, os ursos podem se tornar seletivos. Alguns comem apenas a cabeça do peixe. Outros podem rasgar a barriga e chupar as ovas. Alguns são vorazes. “Uma vez, eu vi um urso-espírito comer 80 salmões em uma sentada”, diz Neasloss. Este urso prefere fazer uma refeição reservada. Ele se vira com o salmão entre os dentes e corre montanha acima, para algum esconderijo que não dá para ver. Vinte minutos depois, o urso volta, pega outro peixe e leva para a floresta. Isso continua durante horas, até a luz do dia sumir do céu.
Bruce Barcott escreveu sobre o impacto do derramamento de petróleo no golfo do México. As fotos de Paul Nicklen da vida selvagem na ilha Geórgia do Sul foi publicada em dezembro de 2009.

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