por Robson Fernando de Souza | Um genial tweet da colega @miriamrrs me induziu a resumir em palavras aqui a tormentosa vida social dos vegetarianos e veganos em festas e almoços comemorativos. Como vegano que não põe nada de origem animal na boca há mais de quatro anos, senti e sinto muito na pele o que milhões de vegs passam no Brasil em ocasiões sociais que envolvem alimentação. O que deveria ser um feliz momento de alegria, descontração, entrosamento e barriga cheia vem para nós como infelizes instantes de chateação, constrangimento, discriminação e, para quem não comeu previamente em casa, passamento de fome.
Vez ou outra alguém critica a nós vegetarianos por supostamente querermos nos isolar dos onívoros. Mas não enxerga que o que acontece não é um isolamento voluntário deliberado, mas sim a discriminação que nos é dedicada por grande parte dos creófilos. E também pelo fato de a grande maioria dos eventos envolvendo alimentação serem fartos de carnes e pratos ovolácteos, e escassos ou carentes de opções livres de derivados animais.
São muitos os aborrecimentos pelos quais quase sempre somos obrigados a passar. Por exemplo:
1. Nossos colegas, parentes e amigos onívoros sempre fazem festas regadas a alimentos de origem animal. Churrascos, feijoadas, rodízios de carne/sushi/pizza e aniversários ou confraternizações regados a bolos ovolácteos e salgadinhos com carne e ovos lhes são obrigatórios para a construção de eventos socializatórios.
Tudo o que nos resta para comer, no caso das feijoadas e churrascos, é arroz com vinagrete (se não tiver picadinhos de presunto e/ou ovo misturados) e talvez alguma salada miúda. Nas festas com bolo, nossa opção alimentar é geralmente 100% excluída. E para beber são bebidas alcoólicas, refrigerantes ou água – com o agravante de que muitos de nós não passamos nem perto de álcool e refrigerantes. Se não tivermos previamente comido em casa, literalmente passamos fome. Só não passamos sede porque quase sempre há alguma água guardada na geladeira da casa do anfitrião, ou alguma banca de revistas próxima vende suquinhos artificiais ou água mineral.
E mais constrangedor ainda é quando o aniversariante é um familiar, ou um amigo, e ele nos dá um pedaço do bolo – talvez até mesmo o primeiro pedaço –, e nós temos que recusar. É uma situação extremamente chata, que nos alheia do simples direito de sermos simbolicamente prestigiados por pessoas muito próximas de nós. E muitas vezes acabamos levando de terceiros a pecha de “radicais” (no mau sentido), “extremistas”, de gente que “recusa a amizade” do próximo em nome de um “fanatismo desnecessário”.
2. A própria presença de alimentos de origem animal, em especial das carnes, é para nós um totem de más-vindas. O churrasco ou a feijoada são domínios creófilos, e vegetarianos, caso se obriguem a ir por consideração aos amigos, terão que dar um nó quase cego em seus princípios de empatia e respeito aos animais não humanos e tolerar que comam ao seu lado os frutos de uma atividade que escraviza, aprisiona e mata dezenas de bilhões de animais por ano.
Perceba-se que o veg(etari)ano vai a esses eventos apenas para prestigiar os amigos e/ou os parentes e evitar cair num estado de isolamento social. Até porque, se recusar ir, será malvisto pela maioria e correrá o risco até mesmo de comprometer a estabilidade de suas amizades. E, o mais grave, estará impedindo-se de prestigiar mais de 90% das ocasiões sociais festivas de seu círculo social.
3. Se tolerar o livre consumo de animais por parte de pessoas próximas já é um desafio, aguentar as piadinhas, grosserias e tentações maliciosas das pessoas presentes é mais um fardo pesado para o vegetariano que foge do isolamento. Seja de parentes e até amigos, seja de colegas deles que a pessoa sequer conhece direito, provocações são frequentes:
- “Tu tem peninha (sic) do boi, eu não tenho não!”
- “Hummm que gostoso! Tá afim não dessa picanha deliciosa, suculenta, cheia de gordura, pingando sangue?”
- “Olha essa maminha… Macia, suculenta, deliciosa… Quer um pouquinho não?”
- “Tu é viado/fresca, é, pra ficar só comendo folha?”
- “Deixa dessa frescura e vem comer churrasco com a gente!”
- “Sabia que minha comida caga na tua?”
- “Se tu tem pena (sic) dos animais, por que então come a comida deles?”
- “Coitada da planta, não pode nem fugir, sofre que só e tu come ela mesmo assim!”
- “Uma alface teve que morrer pra te alimentar. Então você deveria comer pedra, se não quer mais se alimentar de seres vivos (sic).”
- “Isso é falta de buc…!”/”Isso é falta de uma carne bem roliça!”
- “E aí, Fulan@, o que acha de a gente ir pro rodeio/pra vaquejada semana que vem?”
e etc.
- “Hummm que gostoso! Tá afim não dessa picanha deliciosa, suculenta, cheia de gordura, pingando sangue?”
- “Olha essa maminha… Macia, suculenta, deliciosa… Quer um pouquinho não?”
- “Tu é viado/fresca, é, pra ficar só comendo folha?”
- “Deixa dessa frescura e vem comer churrasco com a gente!”
- “Sabia que minha comida caga na tua?”
- “Se tu tem pena (sic) dos animais, por que então come a comida deles?”
- “Coitada da planta, não pode nem fugir, sofre que só e tu come ela mesmo assim!”
- “Uma alface teve que morrer pra te alimentar. Então você deveria comer pedra, se não quer mais se alimentar de seres vivos (sic).”
- “Isso é falta de buc…!”/”Isso é falta de uma carne bem roliça!”
- “E aí, Fulan@, o que acha de a gente ir pro rodeio/pra vaquejada semana que vem?”
e etc.
4. Também tem as sabatinas. Parece que somos obrigados a dar uma aula sobre vegetarianismo for dummies sempre que vamos a eventos assim e recusamos a carne que nos oferecem. São inúmeras as perguntas, quase sempre os mesmos clichês bobões que desafiam nossa paciência:
- “Tu não come nada mesmo?”
- “E a planta, não sofre também não?”
- “Não come nem um frango? Nem um peixe?”
- “Por que tu tem tanta pena dos animais?”
- “Nem um leitinho?”
- “Tu só come folha/mato/soja/alface/salada, é?”
- “Não come nem carne mijada/salsicha humana?”
- “Como é que tu faz então pra conseguir as proteínas e as vitaminas?”
- “Tem perigo de pegar uma anemia ou uma fraqueza não?”
- “E não faz mal não, deixar de comer carne assim?”
- “Não acha que está sendo muito radical não? Come uma carnezinha pelo menos de vez em quando…”
e etc.
- “E a planta, não sofre também não?”
- “Não come nem um frango? Nem um peixe?”
- “Por que tu tem tanta pena dos animais?”
- “Nem um leitinho?”
- “Tu só come folha/mato/soja/alface/salada, é?”
- “Não come nem carne mijada/salsicha humana?”
- “Como é que tu faz então pra conseguir as proteínas e as vitaminas?”
- “Tem perigo de pegar uma anemia ou uma fraqueza não?”
- “E não faz mal não, deixar de comer carne assim?”
- “Não acha que está sendo muito radical não? Come uma carnezinha pelo menos de vez em quando…”
e etc.
O curioso é que sabatinas semelhantes raramente são dirigidas para quem diz que não come carne simplesmente porque não gosta, ou que tem intolerância à lactose, ou que foi aconselhado pelo médico a parar de comer carne, ou que a religião não permite. Nesses casos, o respeito é imperativo, os inúmeros questionamentos não aparecem e sequer se pensa em fazer provocações.
5. Na escala de inconveniência, os “questionadores” do vegetarianismo estão um nível acima dos sabatinadores. Mesmo em momentos em que nem nos passa pela cabeça fazer qualquer discurso de defesa dos Direitos Animais e do veg(etari)anismo, eles vêm nos perturbar.
Não nos deixando curtir o pouco que há para nós nas ocasiões referidas, nos fazem questionamentos falaciosos e preconceituosos, nos “ensinando” que o ser humano “precisa de carne para viver”, perguntando “por que vocês, que são tão preocupados com o meio ambiente, não experimentam também usar menos o computador/deixar de andar de carro/comprar só produtos de origem sustentável/etc.”, ”por que não pensam nas plantas, que vocês (sic) matam só porque não podem expressar dor e sofrimento”, “por que pensam logo nos animais com tanta criança por aí morrendo de fome”, “se o vegetarianismo é saudável, por que tu precisa suplementar a B12”…
***
São momentos que nos chateiam muito, nos aborrecem e até nos irritam. E, em última análise, nos afasta de nossos amigos e parentes e nos faz cair no isolamento. Comer animais e derivados com o próximo e se divertir é uma hora que, para os onívoros, está entre os melhores momentos de suas vidas. O mesmo momento, para nós, é comparável com um castigo, uma penitência, ou até uma tortura – até também porque pouco ou nada comemos na ocasião.
Isso nos leva à conclusão de que existe sim muita discriminação contra vegetarianos e veganos na sociedade. Uma discriminação que se reflete tanto no preconceito de quem nos imagina anêmicos e subnutridos e nos dirige piadinhas e sabatinas mil, como na exclusão praticamente generalizada que desde os restaurantes, sorveterias, pizzarias, lanchonetes etc. até nossos próprios amigos e parentes promovem contra nós.
Penso que a melhoria desse cenário no Brasil só virá quando a população vegetariana atingir certo percentual dos brasileiros, de modo que cada onívoro tenha pelo menos 4 colegas próximos, amigos e/ou parentes vegetarianos, os ambientalistas consensualmente começarem a defender o vegetarianismo e a militância vegano-abolicionista conseguir promover-se a um movimento sociopolítico tão reconhecido e respeitado quanto o abolicionismo humano do século 19. Nisso começaremos a ser realmente respeitados e bem vindos em eventos sociais alimentares.
Mas enquanto esse momento não chega, teremos que nos virar, buscando estreitar nossas relações com cada vez mais vegetarianos e veganos e dando foras em quem nos pentelha com piadinhas, provocações e “questionamentos” falaciosos.
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