Por Guilherme Carvalho para o Acerto de Contas | No vôo em que eu viajava rumo à COP17, a Conferência de Mudanças Climáticas da ONU que aconteceu na cidade de Durban (África do Sul) no final de 2011, o comissário de bordo se aproximou cordialmente do meu assento e perguntou, em inglês: “o senhor solicitou refeição vegetariana estrita, correto?”
Fiquei feliz de lembrar que aquela companhia me havia oferecido esta opção, o que tornava minha postura em comparecer à COP17 e debater o aquecimento global um pouco mais coerente.
Segundo um estudo da FAO (veja aqui, em inglês), a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, a agricultura animal — entendida como todo o setor econômico dedicado à produção de carnes, leite e ovos — responde por aproximadamente 18% de todas as emissões de gases do efeito estufa geradas por atividades humanas.
Esta constatação tem — ou deveria ter — numerosas implicações no âmbito das políticas públicas e das negociações internacionais como a COP, colocando o setor da agricultura animal no topo da escala de prioridade dos governos, junto ao setor energético, florestal e de transportes. No âmbito individual, entretanto, a conclusão é muito mais direta: reduzir o consumo de carnes, laticínios e ovos pode ser uma medida poderosa na redução da nossa contribuição para as mudanças climáticas.
Mas é claro que a agricultura, assim como praticamente qualquer atividade econômica, emite gases do efeito estufa. Produzimos alimentos — não apenas carne — em larga escala para uma população global que caminha para atingir os nove bilhões em 2050. Por que, então, esse alarde todo em relação à agricultura animal, especialmente, e não tanto à agricultura em geral?
Dados da FAO indicam que mais da metade do milho e do sorgo produzidos globalmente são usados na alimentação de animais criados para consumo, bem como praticamente todo o farelo de soja. Em poucas palavras, isso significa que os latifúndios alimentam o gado, não as pessoas. E o gado, então, a uma eficiência muito inferior e a um custo muito mais alto, alimenta as pessoas. O que os estudos recentes têm feito é internalizar todas estas emissões — desde a fabricação dos fertilizantes para produzir a ração do frango, passando pelo desmatamento para abrir pasto para o boi, até o caminhão frigorífico que transporta a carne e os laticínios —, aproximando-se mais da correta responsabilização ambiental do setor.
De posse destas informações, e se eu queria sob qualquer hipótese considerar-me um ambientalista coerente, havia de procurar refeições vegetarianas — pensei enquanto entrava no centro de convenções da conferência em Durban. A maioria dos delegados não parecia ter atinado e comia cheeseburguers despreocupadamente. Dez metros adiante, encontrei uma lanchonete que vendia sanduíche de falafel, um delicioso prato árabe à base de grão-de-bico. Não foi tão difícil.
Aqui no Brasil, alguns amigos comentam que não estão prontos para se tornar vegetarianos. Peço-lhes que percebam que a decisão sobre comer produtos animais não é uma proposição do tipo “tudo ou nada”. Mariana adota o estilo de vida vegano e se abstém de quaisquer produtos animais, mas aquela amiga dela ainda come carne às vezes. Meu irmão decidiu que esse ano cortaria ao menos pela metade o seu consumo de carne e também de queijo, enquanto que Vinicius apenas segue a proposta da “segunda sem carne”.
E todos os outros estágios intermediários são possíveis e podem ser interessantes. Um relatório elaborado em 2010 pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (veja aqui, em inglês) concluiu que uma redução substancial dos impactos da agricultura seria apenas possível com uma mudança substancial de dieta em todo o mundo, distanciando-se dos produtos animais. Me parece que mudar a nossa própria dieta é um bom começo.
Voltando da conferência, após terminar a mais saborosa refeição de avião que já tive — risoto de cogumelos —, me ocorreu de repente que a queima do combustível do meu longo vôo certamente estava gerando uma poluição considerável. Evitá-la seria difícil, já que o mesmo percurso por qualquer meio alternativo demoraria pelo menos vinte vezes mais. Buscar refeições vegetarianas foi muito, muito mais fácil. E possivelmente mais eficaz.
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Guilherme Carvalho, Diretor de Meio Ambiente da Sociedade Vegetariana Brasileira – SVB
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Guilherme Carvalho, Diretor de Meio Ambiente da Sociedade Vegetariana Brasileira – SVB
Fonte: Vista-se
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